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Neurodiversidade, a luta e a militância

Reconhecer as necessidades de pessoas neurodiversas em espaços de militância é fundamental para a luta da classe trabalhadora e pela neurodiversidade.


Fausto André e Lenilda Luna | Maceió

OPINIÃO – É manhã de um domingo quente, ensolarado e abafado. A umidade do ar é percebida como pesada e envolve todo o corpo como um cobertor invisível. O corredor formado pelas barracas da feira é estreito, coisa de meio metro de largura, e a claustrofobia causada mesmo por poucos transeuntes enchem todos os sentidos. As cores das roupas, das frutas, do chão, do céu, mesmo as mais apagadas, ardem aos olhos. O barulho da feira se alterna entre um rumorejo alto porém disforme para cerca de 200 vozes falando claramente e ao mesmo tempo, junto com todos os outros ruídos de suas atividades. A mesma coisa com os cheiros da banana, da laranja, da alface, dos temperos, da lã e dos tecidos sintéticos. Ignorar é impossível. A “atitude blasé” de George Simmel não se aplica aqui. Todos os estímulos presentes não se embotam por serem muitos, pelo contrário; se somam e se contrastam, e gritam juntos com hostilidade.


O termo neurodiversidade, criado pela socióloga Judy Singer em 1998, se refere às variações naturais no cérebro humano de cada pessoa em relação às funções cognitivas como sociabilidade, aprendizagem, atenção, humor e outras. A situação descrita acima é uma mera descrição de uma feira de domingo percebida por alguém dentro do espectro do autismo, e portanto pode variar de intensidade dependendo de pessoa para pessoa. Dispráxicos e disléxicos possuirão percepções diferentes da mesma situação, porém a sensação que fica é a mesma: angústia, desvantagem, alienação. E, como esta, assim também são a maioria de outras situações tal como são experienciadas por pessoas neurodivergentes dentro de um sistema capitalista que ou as ignora ou as força em regimes sociais que não são pensados por e para elas.


Vale a pena, portanto, a discussão de como a lógica capitalista de produção aliada à ideologia dominante entranhada em todas as relações humanas é hostil a pessoas neurodivergentes, para que se possa pensar em como essas lógicas podem acabar surgindo em espaços amplos de militância e em como podem ser construídas novas lógicas que sejam seguras e tenham participação ativa e saudável dessas pessoas.


A opressão capitalista à neurodiversidade

No capitalismo, a lógica da propriedade privada aliada à capacidade produtiva orientada ao lucro e, portanto, limitada e antidemocrática, alienam e marginalizam pessoas neurodivergentes de várias formas. A organização rígida do trabalho que visa uma produtividade uniforme, bem como a falta de controle sobre os processos de trabalho, não funciona para quem trabalha em ritmo diferente ou percebe o mundo de forma diferente. A intensificação de estímulos sensoriais presentes em espaços urbanos ou espaços de trabalho podem afetar mais pessoas autistas ou com dispraxia, que podem levar a episódios de sobrecarga. A valoração excessiva de interações sociais típicas como parâmetro de “sucesso” na ideologia dominante ignora pessoas que têm dificuldade ou que se estressam facilmente com este tipo de interação, ou que preferem se comunicar de formas mais atípicas.


Estas formas de opressão sistêmica e sistemática encontram eco também na tendência capitalista de mercantilizar tudo, incluindo a própria neurodiversidade. Não apenas são vendidos produtos como softwares, brinquedos, dispositivos de ajuda sensorial e tratamentos caros de maneira acrítica e apenas voltada ao lucro, como também são realizadas pesquisas que ou são voltadas exclusivamente para o desenvolvimento desses produtos, ou têm o caráter higienista de estigmatizar a neurodiversidade como doenças trágicas que precisam ser eliminadas.


A luta pelas nossas necessidades

Por mais que as discussões acerca dessas opressões e seus efeitos estejam ocorrendo, pela natureza pervasiva da ideologia dominante de influir a lógica capitalista em todas as áreas humanas, é esperado que essas opressões também apareçam em espaços de militância que lutam pela superação do capitalismo e pela emancipação da classe trabalhadora. Portanto, o primeiro passo para tornar esses espaços seguros para pessoas neurodivergentes é justamente o reconhecimento dessas opressões quando estas ocorrem, bem como o reconhecimento da sua natureza sistêmica e ideológica.


Dessa mesma maneira, sistemas de suporte e pluralismo nos métodos de comunicação também devem ser pensados tendo em vista as opressões sistêmicas, já que estes mesmos sistemas de suporte tendem a ser chamados de “necessidades especiais”, que reforçam a ideia alienante do neurodivergente como alguém “especial” e diferente do “normal”. Este princípio também deve guiar as pautas e as lutas de e para pessoas neurdivergentes, já que a luta pelo reconhecimento das necessidades também diz respeito a pessoas que não se consideram neurodivergentes e que não reconhecem as suas próprias necessidades de comunidade, conexão humana e de suporte mútuo.


Citando o próprio Karl Marx: “De cada qual segundo suas habilidades, a cada qual segundo suas necessidades”. Pessoas diferentes possuem habilidades e necessidades diferentes, e a ideologia dominante não se interessa em satisfazer nossas necessidades ou a nos ensinar a reconhecê-las. Rumo ao socialismo, o reconhecimento dessas necessidades é uma luta de toda a classe trabalhadora.


Há alguma pessoa neurodivergente no seu espaço de militância? Veja algumas dicas de como como tornar esse espaço mais acolhedor e seguro:


  • Em reuniões, caso você seja responsável pela condução, procure organizar as pautas de modo que estas sejam padronizadas e previsíveis. Caso não seja possível seguir o padrão por qualquer motivo, informe sobre o não seguimento e seus motivos, deixando claro que se trata de uma exceção;

  • Caso o espaço da reunião tenha muitos estímulos sensoriais, a pessoa pode precisar se ausentar por alguns momentos da reunião. Caso isso ocorra, procure não chamar a atenção ou causar constrangimento;

  • Em atividades de várias horas de duração ou que requeiram bastante atenção ou foco, pergunte gentilmente para o camarada se está com sede ou precisa ir ao banheiro;

  • NUNCA deixe a pessoa sozinha durante atividades entre pessoas e/ou espaços desconhecidos;

  • Em atos e passeatas, lembre a pessoa neurodivergente de levar alguma proteção para sons altos e/ou para luz forte. Caso não seja possível, e a pessoa demonstre desconforto, acompanhe-a para um lugar onde esses tipos de estímulo estejam reduzidos.

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