Prefácio escrito pelo camarada Edival Nunes Cajá para a segunda edição do livro Sobre o Movimento Estudantil, de 2005.
Foto Jorge Ferreira
É com muita honra que apresento este documento, cuja primeira edição se deu clandestinamente, em agosto de 1968, realizada pelo Partido Comunista Revolucionário (PCR), por meio da sua editora de então, Editorial A LUTA – Publicação nº 2.
Trata-se de um documento histórico sobre a construção da nossa linha política, da concepção estratégica e tática do movimento estudantil para ganhar as amplas massas para lutar pela derrubada da ditadura militar fascista, do regime capitalista e colocá-las na mais firme posição de combate sob a perspectiva do programa do proletariado revolucionário.
Partindo da teoria marxista-leninista e de sua aplicação prática numa realidade concreta, estabeleceu-se uma experiência vivenciada numa frente de massas que percorreu praticamente todos os estágios de organização e formas de luta.
O principal palco destas batalhas foi a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Em maio de 1966, o PCR dá início ao seu trabalho naquela universidade, na zona canavieira e na frente operária urbana.
Iniciamos a tarefa de organizar e mobilizar os estudantes da Rural apenas com um militante no curso de Veterinária, porém com nível de direção. A partir daí, os estudantes viveram um processo de mobilização, que se estendeu desde a eleição dos representantes de turma, passando pela organização dos DA’s e do DCE, de passeatas, greves, ocupações, até o aprisionamento do reitor. Na Rural, era crescente a participação dos estudantes nas lutas específicas e nos atos de protesto contra a ditadura e de solidariedade ao povo do Vietnã.
O DCE da Rural tornou-se conhecido e respeitado por todos, gozando de grande representatividade e contando com a massiva adesão dos estudantes às suas atividades. Na famosa passeata dos 30 mil, em Recife, em junho de 1968, convocada contra a ditadura e em protesto pelo assassinato do estudante secundarista Edson Luiz, no Rio de Janeiro, destacou-se a intervenção do DCE. Foi assim também a sua participação na reconstrução e nas eleições da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), bem como na organização da delegação pernambucana ao 30º Congresso da UNE, em outubro de 1968, em Ibiúna (SP).
As formas de luta foram evoluindo: do abaixo-assinado à ocupação do refeitório; da ocupação da Reitoria ao aprisionamento do reitor; da passeata à greve geral da UFRPE. A greve em defesa do restaurante com preços simbólicos durou 34 dias, uma das mais longas do Brasil, e conquistou todas as reivindicações: volta do restaurante com preços simbólicos, retirada das faltas, realização das provas perdidas, reposição das aulas e nenhuma punição das lideranças.
Os estudantes tiveram de enfrentar toda sorte de truculências. O Exército cercou a universidade e, com repetidas ameaças de ocupação, cortou os telefones e a energia elétrica. Porém, o DCE e os DA’s, com fogueiras, lanternas e velas, mantiveram o conjunto dos estudantes em atividades diuturnas, como cursinhos temáticos com certificados, cineclube, debates, ciclo de palestras, teatro, recital poético, enfim, muita arte, literatura, música, cultura e política.
Muitos ali mesmo dormiam, comiam, liam, pesquisavam, namoravam e faziam seu lazer coletivamente. Apesar da ditadura lá fora e de toda a tensão, no interior da universidade os estudantes viviam e construíam a democracia e a liberdade.
A universidade estava efetivamente sob o controle dos estudantes. Havia assembleia geral todos os dias, nos cursos e na universidade, para avaliar o trabalho das comissões do restaurante, de segurança, de cultura, a tendência da conjuntura política e o andamento das negociações com as autoridades do governo, já que o reitor era prisioneiro dos estudantes e nada podia resolver.
Todos os dias, centenas, milhares de estudantes – tomados de entusiasmo e liberdade, com suas barracas, seus livros, sonhos e esperanças – transitavam pelos corredores, auditórios e salas de aula exibindo grande autoestima e confiança nas suas entidades, que para eles representavam também a nova autoridade da universidade, mesmo que provisoriamente. Esse clima de vitória contagiava as delegações de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, bem como de todo o Brasil no rumo do 30º Congresso da UNE, a realizar-se clandestinamente em São Paulo. Manteve-se assim até 7h da manhã do dia 13 de outubro de 1968, quando o congresso caiu e todos os participantes foram presos pela polícia política da ditadura na zona rural de Ibiúna (SP), levados para o presídio Tiradentes e para o DOPS-SP, onde foram fichados.
No dia 13 de dezembro de 1968, a ditadura decreta o Ato Institucional nº 5 e, no dia 26 de fevereiro de 1969, o Decreto-Lei 477 – os quais, por seu caráter nazifascista, passaram à história por determinar o fechamento do Congresso Nacional, de várias assembleias legislativas, cassar mandatos de prefeitos, deputados de esquerda, lideranças sindicais e de todas as lideranças do movimento estudantil do Brasil, como os diretores do DCE e DA’s da UFRPE Valmir Costa (presidente do DA de Veterinária), Juares Gomes (presidente do DA de Agronomia) e José Moura (presidente do DCE) , entre outros, que, mesmo sob intensa perseguição, tiveram que prosseguir a luta clandestinamente.
Ao amanhecer o dia 13 de dezembro de 1968, dia da publicação do AI-5, muitos jornalistas, políticos, escritores e artistas foram presos, a exemplo de Gilberto Gil e Caetano Veloso, presos em São Paulo e levados para humilhantes interrogatórios num quartel do Exército no Rio de Janeiro.
Este intenso processo político possibilitou a formulação da tática dos comunistas revolucionários no terreno da luta econômica, política, ideológica e militar, e teve sua confirmação pela própria prática revolucionária no movimento de massas e na resistência armada àquele Estado nazifascista.
Ontem, como hoje, para se chegar ao nível de mobilização e conquista até a vitória, é preciso que não só a vanguarda, mas também as massas, pouco a pouco, se convençam por meio da sua própria experiência de organização e de luta da necessidade de derrubar a ditadura da burguesia e seu Estado opressor e, sobre seus escombros, erguer o governo e o Estado revolucionário dos trabalhadores da cidade e do campo, sob a direção revolucionária do seu Partido, alcançando não só a universidade popular, mas sua verdadeira emancipação. Como sabemos, “a teoria adquire uma força material logo que penetra nas massas” (Karl Marx, “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”).
Portanto, a estratégia e a tática aqui delineadas não são frutos de devaneios filosóficos nas salas de doutorado da universidade, tampouco de um dirigente iluminado, mas de uma prática correta, levada a cabo coletivamente por militantes capacitados e tomados de ardor revolucionário, que, por isso mesmo, foram capazes de desmascarar e desgastar a ditadura e forjar quadros para a revolução, organizando e dirigindo as massas desde as pequenas mobilizações até a famosa passeata dos 30 mil, no Recife, a maior manifestação de protesto contra a ditadura militar em Pernambuco nos anos 1960.
Militantes que sabiam manejar adequadamente as várias formas de luta, que conheciam a hora e o lugar de empregá-las, o momento de levar o movimento para as ruas e desmoralizar o inimigo, bem como a hora de fazer retornar o movimento à base para ganhar novo impulso e evitar o seu desgaste e isolamento.
Sobre o Movimento Estudantil discute, ainda, com propriedade, a importante questão da relação entre as formas legais e ilegais do trabalho político, que era e continuará sendo de fundamental importância para todo revolucionário, bem como o manejo adequado da arte de enfrentar a repressão policial e militar em vários terrenos, preparando os estudantes de vanguarda para organizar a autodefesa do movimento nas entidades e nas ações de rua.
Este novo aprendizado foi muito importante porque, na prática, serviu como um ensaio para enfrentar as atividades mais complexas da resistência armada sob as rígidas medidas de segurança da clandestinidade nas quais vários camaradas, posteriormente, foram obrigados a viver e a lutar. Aquele famigerado regime se julgava no direito de sequestrar, torturar, assassinar, ocultar os cadáveres dos revolucionários, cassar os direitos políticos e até suprimir o direito de estudar dos melhores estudantes do Brasil, como foram os casos dos nossos camaradas Manoel Lisboa de Moura (estudante de Medicina na UFAL), em 1964, Emmanuel Bezerra dos Santos (estudante de Sociologia na UFRN), Valmir Costa, Juáres Gomes e José Moura (estudantes da UFRPE), no final de 1968, entre tantos outros militantes da causa da democracia e do socialismo.
Somente esta rica experiência e o conhecimento científico das leis do desenvolvimento da sociedade poderiam possibilitar ao PCR sistematizar a teoria e a prática da linha política revolucionária de massas e a crítica às limitações políticas e ideológicas das correntes pequeno-burguesas hegemônicas no movimento estudantil dos anos 1960.
Continuam atuais as críticas às correntes reformistas e pacifistas – todas colaboracionistas dos políticos e governos liberais –, bem como as críticas àquelas correntes esquerdistas que inconscientemente faziam o jogo do inimigo, levando o movimento estudantil ao vanguardismo, ao isolamento da sua base e das massas populares, defendendo o passeatismo e lutas de rua em todos os dias e em qualquer reunião ou assembleia onde tenham acesso à palavra, mesmo com um número cada vez mais reduzido tanto de estudantes quanto de trabalhadores, até seu esgotamento. Essas correntes não percebiam a necessidade de retornar às salas de aula para retomar a indispensável participação dos estudantes a partir das suas reivindicações mais sentidas e – o que é mais grave – não conheciam os próprios limites de classe do movimento estudantil.
Isto levou as lideranças a se afastassem das massas, facilitando assim os golpes do inimigo. Enfim, sem compreender a lei da correlação de forças e o papel político e histórico do movimento estudantil, terminaram por levá-lo ao isolamento da sua própria base e dos demais movimentos populares, especialmente da classe operária.
Por isso, definimos que o papel do movimento estudantil naquele período era “desgastar a ditadura e forjar quadros para a revolução”. Definição justa para aquela conjuntura. Hoje, depois da superação da ditadura militar fascista, nossa definição precisa ser rediscutida, aprofundada, no sentido de precisar melhor o conceito, seu papel e sua relação política com a classe operária e as demais classes na sociedade atual. Para contribuir com a discussão sugerimos esta redefinição: “O papel do movimento estudantil é desmascarar a ditadura do capital, a exploração e a opressão capitalista-imperialista e forjar quadros para a revolução socialista”.
Em junho de 1972, o PCR organizou, clandestinamente, o primeiro congresso dos seus militantes jovens que atuavam nas escolas secundárias e universidades, debaixo das mais rigorosas normas de segurança e com o objetivo de preparar os novos militantes para a honrosa tarefa de reorganizar e soerguer o movimento estudantil. Este documento e as intervenções de Valmir Costa, Emmanuel Bezerra e, sobretudo, de Manoel Lisboa, é que serviram de base para as discussões e resoluções daquele congresso. As definições, conceitos e análises nele contidos marcaram profundamente a formação política e ideológica dos nossos militantes da geração do revolucionário movimento estudantil dos anos 1960.
Movimento estudantil revolucionário, sim, porque jogou um importante papel revolucionário na luta pela derrubada da ditadura no Brasil, apesar dos erros da sua direção decorrentes, principalmente, da ausência de um Partido de Vanguarda do Proletariado a nível nacional para dirigir de fato todo o movimento nos seus momentos de ascenso e descenso, de modo que tanto a ofensiva quanto a retirada estivessem sob a direção revolucionária e sempre se deslocando em função da sua capacidade de acumular forças e de golpear o inimigo ou para proteger o movimento dos seus ataques e, assim, crescer, tanto no fluxo como no refluxo, próprios do movimento estudantil e da sua subordinação à dinâmica da luta de classes.
Esta linha política já está consagrada pelo critério da prática, pois onde e quando ela foi assimilada e posta em prática, os estudantes reorganizaram as suas entidades, o seu movimento de reivindicação e contestação política. Avançando sempre, desde a denúncia do descaso da direção da escola ou da Reitoria com a falta de iluminação e a violência contra as mulheres no campus, a preparação e desencadeamento de um abaixo-assinado, a passagem em sala para convocação da moçada para escrever matérias para o jornal do CA e do DCE, enfim, das pequenas às grandes mobilizações de massas, mesmo sob a mais feroz repressão fascista no interior das escolas, mesmo quando só havia o medo e o silêncio impostos pela força das baionetas. Foi assim que conseguimos fazer trabalho de massas até mesmo sob o governo militar do nazifascista general Garrastazu Médici (1969-1974, o auge da repressão), dos cinco generais ditadores o que mais sequestrou, torturou e assassinou os opositores do regime militar.
Vivi esta experiência como militante secundarista em 1970, no Colégio Estadual de Cajazeiras (PB), começando pela organização do conselho de representantes de turma (CRT), a convocação de um plebiscito para votar o nome do grêmio (se seria denominado Grêmio Jorge Amado ou Tiradentes) e, em seguida, a eleição na qual foi eleita a chapa encabeçada por nós.
Já no Recife, no histórico GP (Ginásio Pernambucano), na época com o nome de Colégio Estadual de Pernambuco (CEP), em 1972, a célula a qual pertencia deu-me a tarefa de reconstruir o grêmio do mais antigo colégio de Pernambuco, o que fizemos com êxito, denominando-o de Grêmio Jonas José de Albuquerque, em homenagem à principal liderança do GP, metralhado pelo Exército no dia 1º de abril de 1964, já próximo da sede do Governo do Estado, quando marchava à frente da passeata que seguia em direção ao Palácio das Princesas com o objetivo de impedir a derrubada do governador Miguel Arraes e barrar o golpe fascista.
Em 1975, na UFPE, esta linha política nos permitiu conquistar o poderoso Diretório Acadêmico do Centro de Filosofia e Ciências Humanas. A partir dele, em 1976, ganhamos o DCE, até então um verdadeiro antro de agentes policiais. As eleições ocorriam por via indireta, no colegiado de presidentes de DAs (como se vê, a ditadura morria de medo de eleições diretas até mesmo nas entidades estudantis).
Em Alagoas, no início do ano letivo de 1972, o DCE da UFAL, sob a direção da juventude do PCR, convocou uma assembleia que chegou a paralisar toda a universidade, obrigando o reitor a vir prestar esclarecimentos aos estudantes porque não tinha dinheiro para manter o restaurante a preço simbólico, mas tinha para comprar camarão e lagosta para o restaurante da Reitoria.
Estes fatos são suficientes para confirmar nossa tese de que, se a UNE tivesse adotado a tática de retornar à sala de aula e, em vez de levar o seu 30º Congresso para as matas de Ibiúna, o realizasse no interior do CRUSP (USP), os delegados não teriam sido expostos tão facilmente aos golpes da polícia.
Em Pernambuco, mesmo depois do covarde golpe de 1973 contra o Partido Comunista Revolucionário, no qual o general “Carrascoazul” Médici mandou assassinar, sob terríveis torturas, nossos principais dirigentes – Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra e Manoel Aleixo –, o PCR retomou o DCE da UFRPE, em 1975, o DCE da UFPE, em 1976, e os DCE’s da UNICAP, UPE, UFPB e UFRN, em 1977.
Em 1976, foi realizado o 1º Encontro Nacional de Estudantes (ENE), na UFF, em Niterói, onde fui eleito para sua coordenação com a tarefa de realizarmos o 2º ENE, convocado para Belo Horizonte, em 1977, e o 3º, indicado para a PUC São Paulo, em 1978. Porém, no dia 12 de maio de 1978, o banditismo político daquele regime fascista determinou um novo ataque ao PCR para colocar na defensiva seus militantes, a esquerda e o movimento de massas, que avançava firme na luta pela Constituinte, pela Anistia e pelo fim da ditadura. É neste contexto que uma operação conjunta do DOI-Codi com a Polícia Federal promove o meu sequestro e me submete a terríveis sessões de torturas visando a obter uma delação para prender uma grande quantidade de militantes do PCR, do movimento estudantil, do grupo autêntico do MDB e da Igreja de Dom Hélder Câmara, onde eu trabalhava e integrava a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife. E como, desde o instante do sequestro, eu me recusei a dar uma só informação, o chefe da equipe de torturadores passou a aumentar os suplícios e a me dizer expressamente: “você é mais um que vai morar com Manoel Lisboa debaixo do chão, seu filho da puta”.
As denúncias de Dom Hélder Câmara nos meios de comunicação do Brasil e do exterior e a força das assembleias do DA de Ciências Sociais e do DCE da UFPE, no dia 16 de maio, decretaram uma greve geral de caráter absolutamente político pelo fim das torturas e pela minha libertação, com a mobilizadora palavra de ordem “Cajá está sendo torturado e você vai à aula?”. No dia seguinte, o Diário de Pernambuco publicou uma destacada matéria sobre as duas assembleias de estudantes, tendo como título a referida palavra de ordem que estava exposta em uma vistosa faixa colada na parede da universidade.
A partir daquela divulgação no jornal de maior circulação na época, senti que havia acontecido algo importante, pois as mãos dos torturadores foram semiparalisadas. Na assembleia seguinte, os estudantes terminaram por obrigar o reitor Paulo Maciel a descer aos porões da ditadura, quebrando a minha incomunicabilidade, determinada pela Lei de Segurança Nacional, para buscar notícias acerca do meu estado de saúde e retornar imediatamente ao campus universitário paralisado pela greve geral. Porém, o reitor, acovardado, não se dirigiu a mim, limitou-se a passar num corredor de onde me viu à distância e voltou para continuar a mentir aos estudantes, quando recebeu uma vaia generalizada. A greve prolongou-se e se espalhou por outras universidades, inclusive, com prisões na UFS (Sergipe), UFBA (Bahia) e UFPR (Paraná).
A prisão não me permitiu participar do 2º nem do 3º ENE, nem do próprio 31º Congresso de Reconstrução da UNE, em Salvador; porém, mandei uma carta ao congresso defendendo uma Assembleia Nacional Constituinte, a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita e as liberdades democráticas, que foi lida, aprovada pelos 10 mil delegados e colocada nos anais da UNE.
O congresso elegeu uma diretoria provisória de representantes dos principais DCEs do Brasil com a missão de organizar a primeira eleição direta da história UNE, a realizar-se em todas as faculdades do país, desferindo uma bofetada na cara da ditadura, que tinha pavor de eleição direta.
Nessa diretoria provisória e na diretoria resultante da eleição direta, o PCR chega, pela primeira vez, a ter militantes na entidade máxima dos estudantes universitários do Brasil: Alzira Mindelo, Vladir e o companheiro Luiz Falcão, vice-presidente da UNE no Nordeste, que, no congresso seguinte, foi eleito vice-presidente nacional, tendo assumido a presidência da UNE por algumas ocasiões. Como podemos ver, a ditadura atrasou por 11 anos, mas não impediu a chegada do PCR à diretoria da UNE.
Em 1980, o Movimento Correnteza, dirigido pelos militantes do Partido de Manoel Lisboa, teve a missão de reconstruir em um grande congresso a União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), que convocou, logo em seguida, eleição direta em todas as faculdades do Estado, obtendo larga margem de votos para a nossa chapa, encabeçada pelo companheiro Pedro Laurentino, então presidente do DCE da UFRPE, derrotando o candidato da chapa adversária, o estudante da UFPE Humberto Costa.
O ato de posse teve uma grande repercussão política, sendo realizado no auditório da Fafire completamente lotado de estudantes e de várias personalidades da esquerda parlamentar, da oposição sindical, da Igreja e de outras instituições. A emoção tomou conta de todos quando o auditório, atento, ouviu um senhor numa cadeira de rodas, já de cabelos grisalhos, pronunciar as seguintes palavras: “Neste momento histórico, eu passo o mandato de presidente da gloriosa UEP ao companheiro Pedro Laurentino, estudante da UFRPE”. Aquela voz embargada era do engenheiro Cândido Pinto, último presidente da UEP, eleito em 1969 e metralhado nas proximidades da ponte da Torre, o que o deixou tetraplégico, durante passeata organizada pela UEP contra o bárbaro assassinato do padre Henrique Pereira Neto, assessor de Dom Helder Camara. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) foi o responsável pelo covarde assassinato do Pe. Henrique e pelo atentado a Cândido, tendo a participação direta do major Ferreira dos Anjos (PMPE), ainda impune.
Em 1995-98, esta linha política é novamente soerguida e generosamente acolhida pela juventude combativa secundarista e universitária de vários estados. Em Pernambuco, a histórica União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (Uespe) é reconstruída, em 1989, com intensas atividades nas escolas e nas ruas, com várias ocupações da Delegacia Regional do MEC e um constante trabalho de formação política dos membros da sua diretoria e das suas entidades municipais.
A juventude do Partido, acompanhando a reorganização do PCR, em fevereiro de 1995, foi lançada no Congresso da UBES com o nome de União da Juventude Rebelião (UJR), sendo seu 1º Congresso realizado em 1998, na cidade de Nazaré da Mata (PE).
A força e a determinação da UJR já conquistaram, para serem exercidos por seus quadros, importantes cargos na diretoria da UBES e da UNE, ocupados por destacados militantes com a mesma paixão revolucionária e coerência dos camaradas dos anos 60 e 70, erguendo a bandeira do fim do vestibular, mais vagas nas universidades públicas, o fim da crescente mercantilização do ensino, por uma universidade popular e pela revolução socialista.
A UJR conquistou também seu espaço e a admiração nas relações internacionais junto às juventudes antifascistas e anti-imperialistas do mundo, com suas participações no EIJAA.
Por isso, dedicamos esta segunda edição ao 2º Congresso da UJR, sem dúvida um novo marco na sua organização, coesão e expansão por este imenso país afora4.
O projeto de Reforma Universitária do governo, ora em tramitação no Congresso Nacional, é o mesmo que a Usaid (Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA) e o governo da ditadura tentaram impor ao Brasil pela força das baionetas. Porém, o movimento estudantil de então impediu esse monstruoso crime contra a juventude do Brasil.
Para encerrar a apresentação do documento e esta pequena contribuição à história da trajetória de luta e coerência da juventude do nosso Partido, cabe aqui desmascarar o venal papel de traição das atuais diretorias (ainda com hegemonia reformista do PCdoB) da UNE e da UBES aos tão caros princípios da Reforma Universitária aprovados no 1º Seminário Nacional de Reforma Universitária, realizado em Salvador, em maio de 1960.
Depois da “Carta da Bahia”, em que universitários do Brasil condenaram a universidade burguesa e o Estado capitalista, a luta pela Reforma Universitária passou a caminhar junto com a luta pela sociedade socialista. Este princípio se consolidou também no 2º e 3º seminários, realizados respectivamente em Curitiba (1962) e em Belo Horizonte (1963).
Sem tergiversação, afirma a “Carta da Bahia”:
“1) Lutar pela democratização do ensino, com acesso de todos à educação em todos os graus; 2) A abertura da universidade ao povo, mediante a criação de cursos acessíveis a todos: de alfabetização, de formação de líderes sindicais, de mestres de obras, por exemplo; 3) A condução dos universitários a uma atuação política em defesa dos interesses dos operários.” (Artur José Poerner, “Poder Jovem”, pág. 179. 4ª edição)
Por esta concepção de Reforma Universitária, a UNE obrigou o governo Jango, pela força da mobilização, a começar a Reforma na Universidade de Brasília (UNB) e na Universidade do Brasil (atual UFRJ), duplicando a quantidade de vagas e de verbas mediante decreto de 10 de março de 1964. Na luta por essa Reforma Universitária anticapitalista e popular, vários diretores da UNE e seu então presidente, Honestino Guimarães, deram o que tinham de mais caro: a vida.
O próprio José Dirceu, hoje ministro-chefe da Casa Civil, quando era presidente da UEE-SP e candidato a presidente da UNE, afirmou com todas as letras, a plenos pulmões:
“Nossa universidade não será tecnicista, será crítica. Nossa universidade deve ser gratuita, não será fundação. Jamais serviremos aos monopólios!” (Discurso pronunciado na Praça da República, Centro de São Paulo, na concentração após a passeata do dia 26 de junho de 1968. Extraído de “Abaixo a Ditadura. O movimento de 68 contado por seus líderes”. Ed. Garamond, 1998)
Entretanto, o governo do PT/PCdoB & Cia., por meio do Projeto de Lei nº 3.882/04, em vigor mediante a Medida Provisória nº 213, de 10/09/2004, instituiu o “Projeto Universidade para Todos” (ProUni), apoiado pela atual diretoria da UNE, o qual visa, na prática, fortalecer a universidade privada. Esse fortalecimento se dará pela transferência de enorme soma de recursos públicos, cerca de 3 bilhões de reais, a título de criar 180 mil vagas na rede de ensino superior particular, quando, segundo o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), órgão ligado ao próprio governo, com apenas um bilhão de reais seria possível duplicar a quantidade de vagas existentes hoje nas universidades federais.
Por incrível que possa parecer, os ministros José Dirceu, Aldo Rebelo e a corrente majoritária reformista ainda à frente da diretoria da UNE, ganharam notoriedade exatamente na luta contra a tentativa de implantação da “Reforma Universitária” do MEC/USAID, que hoje tanto defendem, claro, com o enganoso nome de “Projeto Universidade para Todos”.
Agora, em vez de a batuta estar com a USAID, encontra-se nas mãos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), que objetivam exatamente transformar a nossa universidade numa espécie de agência repetidora do tecnicismo e da cultura imperialista.
Portanto, o atual projeto de Reforma Universitária em curso serve, sim, aos interesses dos monopólios, na medida que, pouco a pouco, vai tornando a universidade um interessante e lucrativo negócio, por meio da instituição de cobrança de taxas cada vez maiores de matrícula e do uso dos serviços, até finalmente conseguir implantar o sistema de mensalidades. Claro, sempre usando o pretexto de superar o “paternalismo do governo com a sociedade”, mas terminará por entregar a nossa universidade a preço de banana a uma fundação privada capitalista. Para isso, encaminharam até o Projeto de Lei nº 2546/03, que institui a parceria público-privada na administração federal.
Mas um M.E. governista não é novidade no Brasil. Porém, tem um defeito: nunca deu certo. O ditador Castelo Branco, com maiores poderes, tentou mas não conseguiu domesticar o M.E. Ele sancionou a fascista Lei nº 4.464, de 9 de novembro de 1964 (Lei Suplicy, criada pelo ministro da Educação Suplicy de Lacerda), que decretava o fim da UNE, das UEE’s, etc., e criava os Diretórios Estaduais dos Estudantes e o Diretório Nacional dos Estudantes, com gordas verbas, a fundo perdido, para estimular o surgimento de um “movimento estudantil independente, construtivo e propositivo”.
Fundou então o projeto Rondon, de triste memória, por sua história de corrupção e suborno dos estudantes, que eram apanhados de avião nas capitais do Nordeste e do Sul e levados para altas farras nos hotéis de luxo da região amazônica, fingindo prestar assistência à população indígena.
A direção desse projeto foi entregue pela ditadura ao inescrupuloso jovem universitário pernambucano Romero Jucá, que hoje, além de milionário político de Roraima, é ministro da Previdência, acusado de corrupção e defendido por seus colegas Dirceu e Aldo Rebelo. Mas de nada adiantou a farra financeira do “movimento estudantil” chapa-branca. O falso movimento e seus promotores foram desmoralizados e esmagados pela força do M.E. e suas gigantescas passeatas de contestação àquele governo.
Porém, agora, estupefatos, vemos o governo e a UNE, com sua diretoria hegemonizada pelo reformismo do PCdoB, reinaugurar e instituir com o dinheiro do povo a farsa do famigerado “Projeto Rondon”. Já estão selecionando os “filhinhos de papai” para o “piquenique” por dois meses, com avião e hotel de luxo na região amazônica, em tudo semelhante e, inclusive, com rasgados elogios pela TV ao “pioneirismo” de Romero Jucá e seu sucessor, Sílvio Amorim, que também era ligado ao então interventor de Pernambuco Marco Maciel.
Cabe, assim, perguntar: o que dizer mais desta atual direção majoritária da UNE e da UBES no que toca aos reais interesses da imensa massa dos estudantes secundaristas e universitários do nosso país?
A segunda edição deste documento corresponde rigorosamente ao conteúdo da primeira edição, em respeito ao seu caráter histórico e pela atualidade de grande parte dos seus conceitos e críticas, excetuando-se as questões que o tempo e a história se encarregaram de alterar, como algum item do plano de lutas e alguma palavra de ordem, entre outras.
É para homenagear a nova geração de militantes do PCR, contribuir com a sua formação política e ideológica e capacitá-la para estar sempre à altura das exigências da revolução proletária que publicamos este livro por ocasião da realização do 2º Congresso da União da Juventude Rebelião, ocorrido na cidade de Paudalho, em abril de 2005.
O único exemplar disponível da primeira edição estava muito danificado, dificultando terrivelmente a exata compreensão do seu conteúdo e a sua digitalização. Por isso, foi atrasada a entrega desta segunda edição.
Aliás, é justo dizer que somente por um feliz acaso foi possível ter este documento de volta às nossas mãos, encontrado nos escombros da ditadura, os chamados “arquivos secretos”. Estava escondido a sete chaves junto com outras preciosidades de suma importância para a história da resistência do nosso povo e que foram roubadas das residências e escritórios dos revolucionários por ocasião de seus sequestros e prisões pelos agentes da ditadura fascista de 1964.
Coube o mérito da redação deste documento ao companheiro Valmir Costa (codinome Gomes), que teve a honra de contar com a supervisão do camarada Manoel Lisboa (codinome Mário).
Seguem, ainda, em forma de apêndice, dois pequenos textos publicados no jornal A Luta, órgão central do PCR, de setembro de 1968 e junho de 1969, respectivamente, por sua importância para uma compreensão mais profunda das posições e princípios defendidos no texto Sobre o Movimento Estudantil.
Edival Nunes Cajá
Presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa e membro do
Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário (PCR)
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